A Cidade Murada é um terreno com ruas estreitas e sujas, onde vivem traficantes, assassinos e prostitutas. É também onde mora Dai, um garoto com um passado que o assombra. Para alcançar sua liberdade, ele terá de se envolver com a principal gangue e formar uma dupla com alguém que consiga fazer entregas de drogas muito rápido. Alguém como Jin, uma garota ágil e esperta que finge ser um menino para permanecer em segurança e procurar sua irmã. Mei Yee está mais perto do que ela imagina: presa num bordel, sonhando em fugir… até que Dai cruza seu caminho. Inspirado num lugar que existiu, este romance cheio de adrenalina acompanha três jovens unidos pelo destino numa tentativa desesperada de escapar desse labirinto.
Editora: Seguinte l 400 Páginas l Jovem Adulto l Compare & Compre: Saraiva • Submarino • Amazon l Skoob l Classificação: 4/5
A Cidade Murada é uma obra que surpreende por ir além dos estereótipos tão comuns na literatura juvenil. Como esperado a trama traz ação, fantasia e romance, entretanto, ela encanta por também abordar temas extremamente reais e reflexivos. Os três personagens principais são imaturos em muitos sentidos, contudo eles passaram por tantas provações que refletem no olhar o peso da solidão, da pobreza, da fome – tanto por carinho quanto de alimento –, e dos anos de abuso físico, moral e sexual. Sendo assim, a história que era para ser uma fantasia juvenil repleta de aventura e mistério, tornou-se um jovem adulto maduro marcado pela dor dos protagonistas. Por isso é impossível não se deixar levar pelas emoções descritas por cada um desses jovens; torci enlouquecidamente para que eles conseguissem fugir dos sentimentos de medo, indignação e raiva causados pelo ambiente sombrio da Cidade Murada, mas antes disso almejei que eles superassem toda a tragédia e a mágoa que os levaram a morar em um lugar sem leis e sem esperança. Portanto, em uma mescla de emoções e revelações, me deixei levar por essa história tão rica e inteligente.
Hank Nam, mais conhecida como a cidade murada, já foi um território de refúgio político. Depois da guerra a região ficou legalmente abandonada, servindo de abrigo para todos os bandidos e desabrigados das cidades vizinhas. Assim, sem o olhar atento de um governo presente, a cidade foi crescendo de forma precária e desatenta, dando espaço para o avanço da criminalidade e da pobreza. A descrição dada pela autora é de que o local é o refúgio da escória da sociedade, e fisicamente abriga mais pessoas do que poderia, parecendo um emaranhado de casas altas que tapam a luz do sol. É mais fácil imaginar a tal cidade quando a comparamos com uma favela – e não apenas em sua aparência, mas por causa do tráfico humano, do abuso sexual, do comércio de drogas, das mortes e dos roubos que sempre ficam impunes. Mas a diferença é que, ao contrário de algumas de nossas favelas, não existe um mísero resquício de bondade na cidade criada pela Ryan Graudin; nela praticamente tudo foi corrompido ou ferido.
“O sofrimento está em toda parte. Rastejando dentro das oficinas de aço e tecelagens, onde os trabalhadores se curvam sobre as máquinas durante catorze horas todos os dias. Correndo entre as prostitutas viciadas e os adolescentes marcados por faca. Espreitando as mesas em que bêbados jogam dinheiro um no outro e xingam quando perdem suas apostas em pombos de corrida. Normalmente consigo ignorar, olhar para o outro lado, continuar andando. Dessa vez não.”
A obra foca na luta dos protagonistas: Dai, o rapaz que foge da polícia e que está cumprindo uma missão em Hank Nam, algo que dará a ele sua almejada liberdade; a bela Mei Yee, que foi vendida pelo pai e que vive como uma das garotas do bordel; e a jovem Jin, que finge ser um menino enquanto procura a irmã – há muito raptada – pelas ruas e becos da cidade murada. Além do mistério do passado desses jovens, a autora também trabalha com a possibilidade deles fugirem de Hank Nam, e no fato de suas histórias estarem interligadas. – Que é que não fica curioso com uma premissa assim?
O livro é narrado sob três pontos de vista: o do Dai, da Mei Yee, e da Jin. De início isso me assustou, afinal imaginei que seria difícil me conectar com personagens tão distintos, entretanto foi surpreendentemente fácil mergulhar na vida e na narrativa desses jovens. E o mais incrível da obra é, sem dúvida, que os três levam vidas dolorosamente reais. A história de Dai é de um menino que tinha tudo, mas se envolveu com as pessoas erradas e acabou sem nada. Jin é uma jovem guerreira que passou anos apanhando de um pai alcoólatra e que agora rouba para sobreviver. E Mei Yee – para mim a história dela foi a pior de todas – foi vendida e transformada em um objeto, e nas mãos de homens inescrupulosos foi perdendo sua inocência de menina e a fé no mundo lá fora. Portanto a questão não é a comoção gerada por tais histórias, mas sim a reflexão. Afinal, vocês conseguem imaginar quantos jovens espalhados pelo mundo possuem histórias semelhantes a dos protagonistas? Durante a leitura, enquanto os personagens revelam as mágoas que carregam no peito, senti nojo da humanidade, principalmente dos homens que são responsáveis pela corrupção de crianças puras e sonhadoras. Chorei com Dai, Jin e Mei Yee e com o fato deles lutarem por um futuro diferente, mesmo quando ninguém acredita que eles serão capazes de se libertar do passado.
Paralelo ao drama de cada personagem, também temos a junção de suas histórias e a aventura na qual eles embarcam almejando um novo futuro. AMEI como as histórias de Dai, Jin e Mei Yee tornam-se uma só. Essa característica, além de tornar a leitura mais fluida e envolvente, gera sentimentos conflitantes de desconfiança, esperança e amizade. O que marca o coração do leitor de uma maneira inexplicável. Já quanto ao desenrolar da aventura, eu literalmente prendi a respiração com esses jovens. Eles passam por muitos obstáculos e é incrível ver como eles, juntos, superam medos que nem sabiam que existiam. Confesso que achei o final romantizado; foi difícil acreditar que jovens de 18 a 15 anos seriam capazes de tamanhas artimanhas, entretanto isso não diminui a beleza por trás dessa história, muito menos de sua valiosa mensagem de reflexão social e humanitária.
No geral, o livro é encantador, surpreendente, dramático e reflexivo. A mensagem é do tipo que faz a história subir um patamar e se transformar em uma rica coletânea de amadurecimento e aprendizagem.
Curiosidade
Vocês sabiam que a cidade murada já existiu? Ela teve origem em meados do século XIX e chegou a abrigar 33 mil residentes dentro de seu território de apenas 0,3 km².
No livro a autora explica que foi visitar a região da cidade, hoje demolida e transformada em um parque, e então teve a ideia do livro.
Saiba mais sobre a cidade murada aqui.
Beijos!
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