Depois de um acidente de carro que sofreram quando ainda tinham dez anos, Sarah e Jennifer, amigas inseparáveis, passaram anos escrevendo o que chamaram de Lista do Nunca: uma lista de ações e atitudes que deveriam ser evitadas, a qualquer custo, para que se mantivessem sãs e salvas. Numa noite, no entanto, ao entrarem em um táxi, o destino das duas garotas as levou a um lugar que certamente não considerariam nem um pouco seguro. Sequestradas por um homem frio e adepto do sadismo, elas ficam acorrentadas em um porão com mais duas garotas por três anos. Dez anos depois de conseguir fugir, Sarah ainda tenta levar uma vida normal. Seu contato com pessoas se limita ao porteiro que diariamente entrega o que ela precisa para sobreviver e à sua psicóloga, que tenta ajudá-la a enfrentar cada novo dia. Seu sequestrador, porém, está prestes a conseguir uma condicional e, mais do que preparar um belo discurso de vítima, Sarah sente que este é o momento de agir. Para isso, vai enfrentar seus terríveis traumas em busca de uma história que nunca fora revelada.
Editora: Paralela l 272 Páginas l Compre aqui: Amazon l Skoob l Resenha: Kamila Mendes l Classificação: 4/5
Depois de ler A Lista do Nunca passei a refletir mais nas consequências de atos simples, como até o não compartilhamento de uma foto de criança desaparecida… Só quem leu sabe do que estou falando, mas para quem não leu, fica a dica: ainda existe escravidão nos dias de hoje. Mercado negro que vende corpos, onde a exploração sexual é o mínimo que se pode esperar, e para essas pessoas, talvez fosse o mais desejável; tortura física e mental, abuso da alma, do corpo, do espírito, até o total esquecimento do seu próprio ser. O mínimo que posso falar da impressão que tive desse livro é: impactante! Sim, impactante. Ok, eu sei que outros leitores podem achar que ele é leve, um simples conteúdo feito para impressionar pessoas fracas, mas se esse foi o objetivo, então admito, sou uma pessoa fraca. Contudo, de fato a história das amigas Jennifer e Sarah me deixou chocada por uns dias.
“Tínhamos, quase automaticamente, executado nossas estratégias de proteção com foco e precisão militar, fazendo de todos os dias um exercício de segurança contínua. Todas as atividades tinham três pontos de checagem, uma regra e um plano alternativo. Estávamos atentas. Tomávamos cuidado. (pag.11)”
Sarah e Jennifer são amigas de infância. Cresceram juntas e, ao sobreviverem a um acidente de carro que tirou a vida da mãe de Jennifer, as amigas (com apenas 10 anos) decidem elaborar a lista do nunca: uma série de coisas e situações que devem evitar para se manterem em segurança. O tempo passa e o que era apenas uma lista anotada numa folha de caderneta de hospital se transformou numa pilha de 17 diários, contendo situações, regras, doenças, hábitos a serem evitados e adquiridos, modos de vida a serem buscados. Paranoias a parte, as meninas chegam aos 18 anos e se sentem seguras para ir à faculdade e, então, eis que o destino prega sua grande peça.
Voltando de uma festa Sarah e Jennifer são sequestradas e mantidas ao longo de cinco anos acorrentadas num porão escuro, onde são submetidas a todo tipo de tortura. A narrativa se passa 13 anos após o sequestro e conhecemos uma Sarah arredia e antissocial. Cheia de fobias, Sarah mora no topo de um arranha-céu em Nova Iorque, onde mantém contato apenas com o porteiro do seu prédio (o que considera contato humano suficiente) e é constantemente assombrada pelos anos de cativeiro.
O livro ganha fôlego quando Sarah se vê entre a cruz e a espada: O detetive responsável por prender o homem que a sequestrou e torturou durante anos leva a ela uma carta escrita por seu sequestrador e diz que a audiência que pode pô-lo em liberdade acontecerá em pouco tempo e só o depoimento dela pode impedir isso. Ela não quer enfrentar o júri de novo e sabe que só revelando uma parte obscura do cativeiro é que seu algoz pode pegar prisão perpétua. Então, Sarah enfrenta seus medos e vai reconstruir os passos do monstro que a sequestrou, tentando finalmente descobrir o que aconteceu com Jennifer, pois de todos os segredos de seu passado, o único que a atormenta é o paradeiro de sua melhor amiga.
O que me prendeu na narrativa de Koethi Zan, escritora do livro, foi a forma como ela intercala as lembranças de Sarah. Uma hora Sarah se lembra de sua infância ao lado Jennifer antes do cativeiro, como se aquilo ainda pudesse lhe proteger do que lhe acontecera no porão, e depois apresenta flashs dos anos vividos na casa dos horrores, sem nunca revelar o que realmente aconteceu no local. De certa forma, é como se ela tivesse entrado na mente de Sarah e das outras mulheres que ficaram presas com ela.
Mesmo sabendo que Sarah está solta, a narrativa fez com que aumentasse minha agonia em saber como ela havia se soltado e a falta de detalhes deu asas a minha imaginação (que, diga-se de passagem, é fértil ao extremo). O interessante aqui é que, como se trata de um assunto novo, não é exaustivo e chega a ser aterrorizante.
“O cativeiro faz coisas com as pessoas. Mostra que podem ser rasteiras. Que são capazes de fazer qualquer coisa para permanecer vivas e sofrer um pouco menos do que no dia anterior. (pag.24)”
Escravidão humana é uma coisa que só se vê em novelas e filmes históricos, e quando narrados hoje em dia são tão superficiais que não passam uma ideia real do sofrimento gerado nas vítimas. O livro de Zan é diferente! Eu sofri com Sarah, Jennifer, Tracy e Christine (as outras moças do porão), mesmo que ao mesmo tempo em que a obra apresenta uma riqueza de detalhes ele nos poupa deles; deixa-me tentar ser um pouco clara aqui – A escritora não descreve a tortura, mas descreve o resultado dela nas personagens:
“Comecei a me odiar por causa da minha fraqueza. Odiava meu corpo pelo que não conseguia aguentar. Eu me odiava por suplicar e me rebaixar diante daquele homem. (pg. 84)”
Outro ponto interessante é que a autora também descreve o vilão, sim, o vilão. Porque esse cara não é um louco qualquer. Ele é o mal encarnado. Pior ainda é você saber que existem pessoas como ele na vida real que fazem isso com crianças e até com seus filhos e filhas. Mas voltando ao livro: Zan traça meio que um perfil psicológico do sequestrador:
“Enquanto nos contorcíamos, ele estudava, sim, estudava, por quanto tempo conseguíamos controlar o choro. Queria entender porque nos esforçávamos tanto para que ele não nos visse chorando. Fazia perguntas. Sondava. (pag. 83)”
Sou do tipo de pessoa que tem a imaginação fértil, então, realmente reluto em ler um livro tão visceral quanto A Lista do Nunca. Se tivesse que escolhê-lo numa prateleira de livraria, não o teria feito, mas graças a parceria o a Editora Paralela o li, e tenho que dizer: fui marcada para sempre.
Esse é o tipo de livro que te marca, tanto com os momentos bons (leitura fluída e surpreendente, fatos novos a cada virada de página e personagens bem construídos e história e cenários palpáveis), quanto ruins (história e terror reais) saltam das páginas e dão um tapa na sua cara e tiram seu sono. Dou quatro estrelas. Só não cinco, porque achei o finalzinho meio corrido, mas o livro em si é marcante do tipo que sempre vai está ali na sua memória como referência no assunto.
“Quem tivera mais sorte?, eu me perguntei. Jennifer não precisava mais ficar sozinha, enquanto eu estava ali, trancada em minha própria caixa, uma figura solitária incapaz de permitir a entrada de alguém. Fechada como um pote hermético. Com nada além de fobias e paranoia para me guiar. Destruída. Irrecuperável. Imobilizada. (pg. 135)”
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