Os melhores new adults não são aqueles que apresentam histórias universitárias com romances intensos e apaixonantes, mas sim os que conseguem descrever a realidade conflituosa dos “novos adultos”, que expõem a necessidade que esses jovens possuem de se encontrar profissionalmente e emocionalmente. E é exatamente por esse motivo que eu gosto tanto de O Segredo de Ella e Micha, por se tratar de uma obra rica em perspectivas reais do dia a dia dos recém-adultos (o que obviamente não faz dela uma história politicamente correta, mas sim um retrato desse período que separa a juventude da maturidade). Para quem já passou por essa fase é fácil se identificar com os personagens dessa história, com a vontade de abandonar os velhos sonhos e construir um novo futuro, com as incertezas quanto a que caminho seguir e, principalmente, com a busca diária da definição exata de quem somos. Desta forma, antes de qualquer coisa, esse livro aborda as dúvidas, os medos, e os segredos de Ella e Micha, dois jovens que tiveram suas vidas arruinadas por uma fatalidade e que, abandonando os sonhos e amores adolescentes, precisaram encarar a vida real e aprender, dolorosamente, o verdadeiro significado de ser um adulto.

“A garota que ele pensa amar precisa desaparecer. Não quero que esta noite vá além da lembrança, então me afasto, sentindo seu cheiro uma última vez. Saio de perto e o deixo na ponte debaixo da chuva, juntamente com a Ella que ele conheceu.”

Crescendo em um bairro simples, e perigoso aos olhos de muitos, desde cedo Ella e Micha aprenderam a cuidar um do outro, aproveitando juntos o que a juventude tinha de melhor a oferecer – as festas intensas e os rachas alucinantes – ao mesmo tempo em que compartilhavam seus medos e problemas, como os casos de alcoolismo, ausência, e bipolaridade que afligiam suas famílias. Assim, tudo o que sabemos é que desde criança Ella e Micha eram amigos inseparáveis, mas que isso mudou completamente depois do dia em que a jovem Ella pegou suas coisas e partiu sem dizer para onde iria, abandonando sua cidadezinha, sua família, e seu melhor amigo. A noite que mudou a vida de Ella também transformou completamente Micha e, enquanto ela decidiu fugir da dor, ele ficou e lutou para encontrá-la, sonhando com o dia em que sua amiga estaria pronta para enfrentar o passado. E agora, depois de tanto tempo de espera, Ella está de volta, mas apenas como a sombra da garota que um dia foi. O fogo no olhar, a atitude irreverente, a personalidade marcante, tudo foi substituído por uma jovem calma e introspectiva, por uma máscara perfeitamente esculpida para esconder a dor, um disfarce que Micha está mais do que disposto a desvendar.

Desta forma o ponto central da história é o segredo que mudou a vida de Ella e Micha, mas a abordagem da autora não recai diretamente na vontade de desvendar esse mistério, mas sim em observar como ele afetou esses jovens – e isso consegue ser ainda mais doloroso do que a revelação em si. O tema não é fácil, os problemas não são supérfluos e comuns, e a maneira como eles lidam com isso não segue o esperado. Ella e Micha sofrem, choram e se punem constantemente, o que torna impossível para o leitor não se compadecer com eles. Nesse ponto devo dizer que Ella não é uma personagem perfeita ou facilmente compreendida, ela perdeu muito e tento bloquear a dor abandonando tudo o que a fazia feliz no passado, por isso o processo de cura dela é lento, mas é fundamental para tornar a narrativa mais real e para fazer-nos compreender o papel de Micha em sua vida. Aqui a autora dá voz ao velho clichê de melhores amigos que se amam e que fogem desse sentimento, contudo Micha é um personagem tão verdadeiro e devotado a Ella e ao que sente por ela que é fácil aceitar esse amor. É Micha que nunca desiste de Ella, é ele que abdica dos seus sonhos por ela, é ele que se entrega sem medo e pressa, e é ele que ama sem limites. Revela-se então à outra faceta da obra, o lado mais esperado pelos leitores de new adult, o romance intenso e apaixonante. 

Culpo a magnitude dessa história – tanto em romance quanto em reflexão – ao talento da autora. Sua escrita é emocional, rápida e jovem, e ao usar o artifício do ponto de vista alternado, mesclando a história entre a narrativa da Ella e a do Micha, ela conseguiu deixar tudo ainda mais real e verdadeiro. O fato é que sinto uma ligação com a autora, sua escrita me cativa por tratar de emoções conflitantes e por resultar não em um final feliz, mas em um passo importante para a superação e o florescer da esperança. Para mim isso é que é viver: errar e aprender, e esse livro nada mais é do que o retrato de dois jovens que sofreram por erros incontroláveis, mas que aprenderam e amadureceram com eles. Superar a perda não é fácil, mas a força está exatamente no processo de aprender a conviver com ela. 

Só posso dizer então que não vejo a hora de ler a continuação da saga e, mesmo achando que esse livro pode não agradar todo leitor, acredito que a obra merece ao menos uma chance em sua imensa, eu imagino, pilha de leitura.

“Ella sempre foi curiosa com as coisas. Muitas vezes que fomos perseguidos por metermos o nariz onde não éramos chamados e apanhei várias vezes tê-la defendido. Mas eu faria de novo sem pestanejar; somos eu e ela contro o mundo. Sempre foi assim.”