Quando a realidade torna-se brutal demais para uma garota de 18 anos, ela é hospitalizada. O ano é 1967 e a realidade é brutal para muitas pessoas. Mesmo assim poucas são consideradas loucas e trancadas por se recusarem a seguir padrões e encarar a realidade. Susanna Keysen era uma delas. Sua lucidez e percepção do mundo à sua volta era logo que seus pais, amigos e professores não entendiam. E sua vida transformou-se ao colocar os pés pela primeira vez no hospital psiquiátrico McLean, onde, nos dois anos seguintes, Susanna precisou encontrar um novo foco, uma nova interpretação de mundo, um contato com ela mesma. Corpo e mente, em processo de busca, trancada com outras garotas de sua idade. Garotas marcadas pela sociedade, excluídas, consideradas insanas, doentes e descartadas logo no início da vida adulta. Polly, Georgina, Daisy e Lisa. Estão todas ali. O que é sanidade? Garotas interrompidas.
Editora: Única l 190 Páginas l Biografia • Doença Mental l Compre aqui: Amazon l Skoob l Classificação: 4/5
Nunca fui fã de biografias, contudo a vida por trás do livro Garota Interrompida sempre me interessou. Atualmente é muito mais fácil aceitar e compreender as variações da mente humana, de forma que doenças como a depressão, a bipolaridade, e os diversos transtornos de personalidade catalogados pelas comunidades científicas, são assuntos comuns em nossa sociedade. Porém, mesmo com tantos avanços essas doenças ainda são erroneamente definidas pelos tabus sociais, o que nos faz pensar que, se nos dias atuais ainda existe tamanho preconceito, como seria anos atrás, como na década de setenta, por exemplo? Susanna tentou se matar tomando uma grande dose de aspirinas, tinha uma mania estranha de bater os pulsos, raramente fazia as tarefas propostas por seus professores, gostava de namorar e sofria com as temidas espinhas; isso faz dela uma jovem de dezoito anos normal, uma garota aflita, ou uma mulher louca? O que define o grau de sua loucura? Independente das respostas, o fato é que em 1967, aos dezoito anos, Susanna foi internada em uma clínica psiquiátrica a fim de curar-se da sua insanidade mental.
Na primeira parte do livro, momento em que são recontados episódios aleatórios da vida de Susanna, a narrativa da autora vai muito além de uma mera biografia, de forma que muitas vezes é difícil acreditar que não estamos lendo uma obra de ficção. Essa característica permite uma leitura rápida e desconcertante de tão simples, do tipo que cativa e envolve o leitor nos mistérios que rondam a vida dessa jovem protagonista. Não sabemos os grandes motivos da internação ou da loucura de Susanna, contudo em capítulos pequenos ela vai contando como acabou presa em uma realidade paralela que a fazia acreditar parcialmente em sua demência: ela via o que os outros não viam, se questionava sobre coisas naturais da vida humana, e muitas vezes se perdia no seu próprio mundo, o que quer dizer que ela estava louca, não é mesmo? Fora que, além das análises emocionais de Susanna, conhecemos mais sobre seu passado, os detalhes da rotina do hospital, as histórias trágicas de suas amigas e colegas de internação, e de como, dois anos depois, ela recebeu alta com um atestado de “cura” para sua loucura. – Momento em que se questiona: existe mesmo uma cura para a loucura?
O mais legal da história é que cada acontecimento descrito possui uma ideia chave que a autora quer salientar. Assim, em um segundo momento ela passa, com termos técnicos e médicos, a falar mais sobre a loucura e suas diferentes facetas, explicando sobre o cérebro e suas peculiaridades, usando exemplos de sua rotina no hospital psiquiátrico para salientar suas teorias. Essa parte, confesso, é um pouco cansativa de se ler, porém ela nos leva a terceira e última parte dessa leitura, ao grande momento em que Susanna explica sua loucura e, de forma surpreendente, quase nos convence de que, provavelmente, todos nós somos tão loucos quanto ela, ainda mais quando jovens. E é tudo tão incrível, suas dificuldades emocionais, suas experiências de vida, seus erros e falhas, e em como isso a levou aos dias atuais, a uma mulher que ainda se questiona, diariamente, se realmente está curada de sua loucura. Fora que é admirável a maneira com que a autora une os pontos soltos em sua história, objetivando dar ênfase às falhas de seu diagnóstico médico, aproveitando para fazer uma crítica à sociedade dos anos sessenta, quando era comum se internar pacientes com o mesmo “grau de loucura” de Susanna.
““Você está louca?” É uma expressão corriqueira, eu sei. Para mim, contudo, tem um significado particular: os túneis, as telas de segurança, os garfos de plástico, a fronteira reluzente e sempre móvel que, como todas as fronteiras, nos acena e nos pede que a atravessemos. Não quero atravessá-la de novo.”
O choque de realidade, a escrita real e simples, e o final impactante – além de surpreendente e reflexivo – fazem desse livro uma leitura incrível e emocionante. Trata-se de um relato de uma sociedade próxima da nossa, repleta de julgamentos e preconceitos, e da história de uma jovem que, com sua dose de loucura, decidiu afrontar as expectativas sociais e se esconder em uma realidade paralela. Sinto pelos anos que Susanna perdeu, mas admiro suas convicções e teorias. E mesmo que o livro seja apenas uma forma dela explicar sua loucura, o que é bem provável, fui convencida de sua sanidade. Em outras palavras, adorei o livro, só não mais pelos termos médicos inseridos no meio da narrativa, contudo ainda assim achei-o encantador.
Curiosidade
O livro Garota, Interrompida foi adaptado para o cinema em 1999, contando com Winona Ryder, Angelina Jolie e Whoopi Goldberg no elenco, ou seja, um elenco de peso. O drama garantiu o Oscar de melhor atriz coadjuvante para Jolie.
Dá uma conferida no trailer do filme, estou ansiosíssima para assisti-lo:
Comente via Facebook