Um dos mais inovadores autores de livros jovem adulto e o primeiro a emplacar uma trama gay na lista do New York Times, David Levithan retoma a sua mais emblemática trama em “Outro Dia”. Aqui, a já celebrada — com várias resenhas elogiosas — história de “Todo Dia” é mostrada sob o ponto de vista de Rhiannon. A jovem, presa em um relacionamento abusivo, conhece A, por quem se apaixona. Só que A, acorda todo dia em um corpo diferente. Não importa o lugar, o gênero ou a personalidade, A precisa se adaptar ao novo corpo, mesmo que só por um dia. Mas embarcar nessa paixão também traz desafios para Rhiannon. Todos eles mostrados aqui.
Editora: Galera Record l 322 Páginas l Jovem Adulto l Compare & Compre: Saraiva • Submarino • Amazon l Skoob l Classificação: 5/5
Outro dia reconta a história de Todo Dia, porém sob a perspectiva de Rhiannon. Confesso que torci secretamente para o livro ser uma continuação da trama protagonizada por A, entretanto depois de concluir a leitura entendi o motivo de o autor escolher dar voz à Rhiannon. O fato é que, tomando como base os medos e as inseguranças que conduzem a vida de um jovem adulto, David Levithan fala através de seus protagonistas. Por isso, é a partir do ponto de vista da Rhiannon que a história de Todo Dia ganha novas reflexões acerca de traumas familiares, preconceito sexual e relacionamentos abusivos. Sendo assim, por causa de seu toque de realidade e inúmeros pontos de reflexão social, digo que a obra protagonizada por Rhiannon foi uma das mais reais sobre o universo jovem que já tive o prazer de ler – o que significa que amei o livro do início ao fim, assim como foi com seu antecessor.
Rhiannon está no ensino médio, não se relaciona muito bem com os pais, não têm perspectivas para o futuro, e está vivendo um relacionamento amoroso abusivo. Muitas coisas mudaram na vida da jovem desde que ela começou a namorar, entretanto a principal delas é que agora os dias de Rhiannon dependem das variações de humor do seu namorado. Diariamente, seja ao encontrá-lo no colégio ou em uma festa, a jovem se prepara para descobrir como será o dia: repleto de brigas, mágoas e solidão ou, com muita sorte, bom o suficiente para fazê-la esquecer de todos os dias ruins que passa ao lado dele. Tanto é que é em um dia desses, um dia bom e repleto de cumplicidade e diversão, que Rhiannon tem certeza de que todos os sacrifícios que faz em nome do seu relacionamento valem a pena. Nesse dia, um dia em que o casal foge da escola e passa horas rindo e conversando, ela tem certeza que ama e é amada. Porém, o que Rhiannon só vai descobrir depois é que quem passa esse dia com ela é A – alguém que, sem saber a razão, acorda cada dia em um corpo diferente. Depois que Rhiannon tem esse dia maravilhoso, no qual tem a possibilidade de experimentar o que é viver sem medo e cobranças, ela passa a questionar suas certezas e, aos poucos, a mudar seu futuro. Dividida entre um relacionamento repleto de altos e baixos, do medo de acreditar em A e aceitá-lo em sua vida e, principalmente, de não saber mais quem é, Rhiannon vai aprender o quanto é difícil escolher viver plenamente.
O que eu mais amei nesse livro, assim como acontece com tudo o que o autor escreve, foi da presença de variados pontos de reflexão. Através da confusão de Rhiannon e de sua dificuldade em aceitar A como um “ser” e não como um ele ou ela, o autor trabalha com a questão dos gêneros e do preconceito sexual tão comum em nossa sociedade. E não como comumente vemos por aí, mas sob os olhos de uma jovem que não é preconceituosa, mas que ainda assim tem suas limitações em aceitar que o amor não tem gênero ou aparência. Achei incrível como o autor trabalha tão sutilmente com tal tema, como as variações de sexo de A – que um dia aparece no corpo de uma menina e em outro de um menino – fazem a personagem questionar os conceitos de orientação sexual e, principalmente, em como as mudanças na aparência de A – um dia belo, outro dia feio – também incitam um questionamento tanto por parte da personagem quanto do leitor.
Ao me colocar na posição de Rhiannon, tentei imaginar quais seriam minhas limitações frente às mudanças de A, e o bacana é que isso me fez repensar e avaliar muitos dos meus conceitos. Outro ponto constantemente abordado, e que eu amei, é o relacionamento abusivo de Rhiannon com o namorado. Foi doloroso acompanhar as idas e vindas do namoro deles, sobretudo porque a jovem defende as atitudes do namorado e aceita como normal seu humor sombrio. Mas foi ainda mais doloroso me identificar com a protagonista e perceber como a sociedade me fez, talvez por ser mulher, condicionada a aceitar certos comportamentos dentro de um relacionamento. Assim como a Rhiannon, confesso, em alguns momentos quis defender seu namorado, como se as migalhas de amor cedidas por ele fossem sim suficientes para manter um namoro. E o ponto é que, essa é a realidade de inúmeras meninas ao nosso redor. Portanto não só achei digno o debate de tal tema, como também aprendi muito com ele.
A obra conta com uma narrativa fluída e envolvente, por isso, devorei o livro, me surpreendi com ele, e ainda fui tocada por essa bela leitura. O ponto é que por ter lido Todo Dia muito tempo atrás, quase dois anos se não me engano, a história foi quase uma novidade para mim – o que significa que ela me impactou tanto quanto da primeira vez. Além disso, me diverti e me emocionei com a trajetória de A, ao mesmo tempo em que amei ver a mudança que ele incita em Rhiannon ao fazê-la enxergar quem ela quer ser e, principalmente, quem quer ao seu lado. O único ponto falho, pelo menos para mim, é o final. Além de ser um desfecho meio abrupto, o autor deixa muitas pontas soltas. Imaginei que Outro Dia teria um bônus e traria um final mais completo, porém ele é exatamente como Todo Dia e termina cheio de “e se”. Ainda assim, não nego que a história é exatamente como deveria ser: um reflexo do mundo atual e de como os jovens, mesmo perdidos e inseguros, seguem tentando descobrir quem são.
Quem leu Todo Dia vai, sem dúvida, amar Outro Dia. E quem não leu nenhum dos dois, por favor, vá descobrir o quão talentoso é o David Levithan.
Sobre a Série
Outro dia é a continuação de Todo Dia. Ambos os livros narram uma mesma história, porém sob olhares diferentes.
Beijos!
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