Ada tem dez anos (ao menos é o que ela acha). A menina nunca saiu de casa, para não envergonhar a mãe na frente dos outros. Da janela, vê o irmão brincar, correr, pular – coisas que qualquer criança sabe fazer. Qualquer criança que não tenha nascido com um “pé torto” como o seu. Trancada num apartamento, Ada cuida da casa e do irmão sozinha, além de ter que escapar dos maus-tratos diários que sofre da mãe. Ainda bem que há uma guerra se aproximando. Os possíveis bombardeios de Hitler são a oportunidade perfeita para Ada e o caçula Jamie deixarem Londres e partirem para o interior, em busca de uma vida melhor. Kimberly Brubaker Bradley consegue ir muito além do que se convencionou chamar “história de superação”. Seu livro é um registro emocional e historicamente preciso sobre a Segunda Guerra Mundial. E de como os grandes conflitos armados afetam a vida de milhões de inocentes, mesmo longe dos campos de batalha. No caso da pequena Ada, a guerra começou dentro de casa. Essa é uma das belas surpresas do livro: mostrar a guerra pelos olhos de uma menina, e não pelo ponto de vista de um soldado, que enfrenta a fome e a necessidade de abandonar seu lar. Assim como a protagonista, milhares de crianças precisaram deixar a família em Londres na esperança de escapar dos horrores dos bombardeios. Vencedor do Newbery Honor Award, primeiro lugar na lista do New York Times e adotado em diversas escolas nos Estados Unidos.
Editora: DarkSide Books l 240 Páginas l Juvenil • 2ª Guerra Mundial l Compare & Compre: Saraiva • Submarino • Amazon l Skoob l Classificação: 5/5 ♥
Já disse várias vezes que amo livros narrados por crianças, não é mesmo? Adoro a maneira sincera que esses personagens descrevem o mundo, indo contra os preconceitos da sociedade e simplesmente seguindo seus corações. Portanto, já adianto que amei Ada e Jamie – os protagonistas de A Guerra que Salvou a Minha Vida – desde o primeiro instante. Existe algo de peculiar, e incrivelmente cativante, na personalidade desses dois jovens. É através deles que mergulhamos em uma história direta, dolorosa e incrivelmente madura, afinal estamos falando da Segunda Guerra Mundial e das consequências que essa batalha gerou. Eles são apenas crianças, mas mesmo assim mostram a crueldade por trás da guerra, emocionando, chocando e provocando no leitor a vontade de transformar nossa sociedade e acabar, de uma vez por todas, com as disputas políticas movidas pela ganância e sede de poder.
Ada e Jamie vivem em Londres, ao lado da mãe, mas apesar de terem um teto sob suas cabeças (e pão e chá no final do dia) eles não sabem o que significa ter um lar. Ada sofre ainda mais que Jamie, pois além da vida precária também tem que lidar com os abusos da mãe – que a discrimina e castiga pelo fato da filha ser especial. Ada tem o pé torto e, exatamente por não conseguir andar, passa o dia todo trancada dentro de um apartamento, espiando pela janela a vida lá fora. Além disso, Ada faz tudo o que a mãe pede: cozinha, limpa, cuida do irmão mais novo, e fica quietinha no armário escuro e cheio de baratas quando foi uma menina má e desobediente. Entretanto, uma grande Guerra surge e muda completamente a vida desses dois. Com Londres sobre a mira dos alemães, as crianças inglesas viram refugiadas de guerra e precisam seguir para o interior, para viver em casas provisórias e aparentemente mais seguras. E o ponto é que o que para muitos seria um pesadelo – abandonar seus familiares e viver em um lar sem amor – para Ada e Jamie é uma salvação. Fugir para o interior levará esses dois para uma casa com refeições regulares, roupas novas e quentinhas, nada de castigos e surras e, o principal, uma relação de mão dupla sobre cura, recomeço e amor fraternal. É no interior, longe da Guerra que domina as ruas de Londres e dos abusos da mãe, que Ada e Jamie vão descobrir o que significa fazer parte de uma família.
Preciso dizer o quão incrível a Ada é. Foi paixão à primeira vista; fiquei encantada com a força dessa garotinha e com todos os sentimentos que ela transmite. Acompanhamos a inconformidade dela perante a mãe (no sentido de não ser amada e querida por ela) e perante a sociedade (no aspecto de não ser igual às outras crianças); também vemos a raiva aflorar quando a mãe bate, castiga e grita com seus filhos, e até mesmo quando Jamie assume uma rotina independente e colabora, mesmo sem querer, para a solidão de Ada; ainda vemos a curiosidade (em saber e aprender mais), a coragem e o amor entre irmãos; mas vemos principalmente o medo e a desconfiança. Ada é inteligente e perspicaz, mas também é extremamente desconfiada. Mesmo quando é acolhida em uma nova casa, por uma mulher decidida a ajudar essas crianças, a garotinha tem certeza de que coisas ruins vão acontecer. – E sabe por qual motivo? Porque ela é má, porque cresceu ouvindo a mãe dizer que era um monstro, que não era normal, que era um castigo ambulante e que era uma criança que não merecia uma vida comum. Dói ver o peso das mágoas que essa garota carrega nos ombros. Dá vontade de gritar com todos que já colaboraram para que ela se sentisse tão triste. E acho que exatamente por isso, por Ada ser tão palpável e cativante (e por sua história espelhar a de muitas crianças espalhadas pelo mundo), que torcemos por ela e vibramos por suas pequenas conquistas. Tudo o que eu queria era que a guerra durasse tempo suficiente para que Ada fosse curada (pode dentro e por fora). Pode parecer egoísta, mas é a verdade.
“Burra. Retardada. Educável. Zelosa. Eram só palavras. Eu estava tão cansada de palavras sem sentido.”
E não é só Ada que encanta com sua jornada de luta e superação. Temos: um garotinho que, mesmo marcado pela indiferença da mãe, sente falta de tê-la ao seu lado; uma cidade do interior tomada por homens fardados e por crianças refugiadas; adultos amedrontados pela constante ameaça da guerra; e, meu preferido, uma mulher forte o suficiente para vencer a depressão – ou a solidão e o luto, mais especificamente – na intenção de cuidar de duas crianças que foram parar por engano em sua casa. Susan, a “mãe provisória” de Ada e Jamie, não queria ter que cuidar de ninguém; ela não achava que era capaz de manter duas crianças, mas no final escolheu lutar por elas e acabou encontrando, além de uma nova família, a cura que tanto precisava. Sério, trata-se de uma história cheia de personagens fortes, reais e com histórias dolorosas. Foi impossível não amar cada página e cada figura desse livro.
Acho importante dizer que a obra tem como público os jovens leitores – Ada tem dez anos, então sua narrativa mais infantil e direta, ou seja, perfeita para leitores iniciantes. Ainda assim, esse é o tipo de livro que todo mundo deveria ler. A trama é emocionante, sincera, real e impactante. Terminei a leitura um tantinho quanto modificada por essa garotinha que, mesmo depois de levar vários tombos da vida, encontrou forças para lutar e perdoar. Leiam, é LINDO!
Beijos!
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