Uma terra marcada por guerras recentes e amaldiçoada por uma misteriosa névoa do esquecimento. Uma população desnorteada diante de ameaças múltiplas. Um casal que parte numa jornada em busca do filho e no caminho terá seu amor posto à prova – será nosso sentimento forte o bastante quando já não há reminiscências da história que nos une? Épico arturiano, o primeiro romance de Kazuo Ishiguro em uma década envereda pela fantasia e se aproxima do universo de George R. R. Martin e Tolkien, comprovando a capacidade do autor de se reinventar a cada obra. Entre a aventura fantástica e o lirismo, “O gigante enterrado” fala de alguns dos temas mais caros à humanidade: o amor, a guerra e a memória.
Editora: Cia das Letras l 396 Páginas l Compare & Compre: Submarino • Saraiva • Amazon l Skoob l Resenha: Kamila Mendes l Classificação: 4/5
Comecei a leitura de “O Gigante Enterrado”, de Kazuo Ishiguro, sem muita pretensão. Trata-se de uma obra de leitura fácil e diálogos bem autoexplicativos. Confesso que em determinados momentos os diálogos ficam maçantes, quase forçados, como se fosse uma tentativa de explicar detalhes do livro que passaram despercebidos na hora da discrição. Mas, com exceção desses pequenos deslizes, a história é intrigante e prende a atenção do leitor. E um dos diferenciais é que a história criada por Kazuo é desenvolvida na Grã-Bretanha após a queda do Rei Arthur. Um mundo permeado por fantasia e seres míticos, como ogros, bruxas e dragões.
Em meio a um cenário fantástico o autor apresenta os protagonistas da trama: o casal de idosos Axl e Beatrice, que vivem em uma aldeia de origem bretã, onde são tratados com descaso devido à idade avançada. O casal luta para manter as lembranças em um mundo que não consegue se lembrar de seu passado: onde não existem mais memórias, nomes, rostos, e conversas que aconteceram minutos atrás são esquecidas com uma facilidade assustadora. Com medo de acabar esquecendo um do outro, o casal parte em uma aventura para encontrar seu único filho (de quem não se recordam muito bem, apenas lembranças vagas e memórias que parecem vindas de outra vida). Como não recordam onde o rapaz mora, eles partem sendo guiados mais pela fé de que o filho os espera do que pela certeza do que vão encontrar.
Durante sua viagem eles se deparam com personagens intrigantes como Winstan, que parece ser a resposta para o fim da névoa que rouba as memórias, Edwin, o menino que carrega uma maldição e que pode ser a promessa de um futuro, além de Sir Gawain, último remanescente da Távola Redonda e sobrinho do Rei Arthur. Cada personagem tem um papel fundamental na jornada dos protagonistas; e cada um deles também nos faz refletir sobre aspectos da nossa própria vida. Sendo assim, apesar de se tratar do gênero fantástico, o foco de Kazuo não está nas aventuras vividas pelo casal, mas em sua luta para manter as memórias e em como eles mantém a chama do amor acesa, mesmo quando não se lembram do seu passado. E isso é um dos detalhes mais bonitos do livro, toda a reflexão por trás das lembranças e da jornada desse casal.
A obra tem uma sensibilidade ímpar, pois leva o leitor a pensar sobre a força e a legitimidade dos laços que os unem a outras pessoas – além dos nos fazer refletir se estamos deixando que monstros imaginários roubem o que temos de mais belo em nossas vidas. Portanto, o livro é doce, reflexivo e instigante ao ponto de deixar o leitor curioso. Afinal, constantemente nos questionamos o que tem roubado as memórias dos protagonistas e se eles encontrarão seu filho. Claro, como disse anteriormente a narrativa conta com diálogos maçantes, mas não são todos. Então vale a pena dar uma chance para a história e mergulhar nos segredos de Axl e Beatrice.
Beijos!
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